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Justiça defere liminar contra pecuaristas que submetiam trabalhadores a condições degradantes no transporte de gado

No Pará, MPT requer condenação de quase R$ 7 milhões a proprietários de fazendas por fraude contratual e trabalho escravo

Em maio deste ano, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, composto por integrantes do Ministério do Trabalho (MTb), Ministério Público do Trabalho (MPT), Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), constatou condições degradantes de trabalho na atividade de transporte terrestre de gado na Rodovia Transamazônica, no Pará. Os animais estavam sendo transportados até as Fazendas Porangaí, em Xinguara (PA), e Rita de Cassia, em Eldorado dos Carajás (PA), por grupos compostos por 30 trabalhadores, no total.

A Vara do Trabalho de Altamira deferiu liminar, requerida pelo MPT em ação civil pública, impondo que os pecuaristas, donos dos animais e das fazendas às quais o gado era destinado, cumpram 20 determinações quanto aos direitos trabalhistas dos envolvidos no transporte de boiada, incluindo normas de saúde e segurança.

Segundo a decisão, os réus deverão apresentar os 30 trabalhadores em Juízo a fim de viabilizar suas habilitações no seguro desemprego especial aos resgatados em condições análogas às de escravo; garantir aos seus trabalhadores o recebimento mensal e integral da remuneração pactuada previamente, observados o salário mínimo vigente e o piso salarial da categoria empregada, assim como o acréscimo de 25% sobre o valor do salário-hora diurno; pagar o valor integral dos salários até o 5º dia útil do mês subsequente ao vencido; e recolher as contribuições mensais do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS dos trabalhadores atuais e futuros.

Os demandados deverão ainda absterem-se de transacionar com encarregados multas por perdas de rebanho; disponibilizar em cada frente de trabalho de comitivas de transporte de gado nas rodovias/estradas, local para consumo de refeições, bem como abrigo contra intempéries; fornecer água potável, copos, pratos, talheres, garrafas térmicas, ferramentas de trabalho, equipamentos de proteção individual e outros. Além disso, também deverá ser observada a regularização da jornada de trabalho, que não deve exceder 8 horas diárias, e a utilização de veículos de escolta durante a condução dos animais pelos trabalhadores, que deverão receber treinamento periódico sobre regras de segurança no transporte de animais em estradas e rodovias.

O caso

Os chamados “comissários de boiada”, flagrados pelo grupo móvel, conduziam comitivas de até 1300 bois por meio de pastoreio a cavalo e até mesmo a pé, em viagens que duravam entre 3 e 4 meses. De acordo com o auditor-fiscal do Trabalho que coordenou a operação, Magno Riga, havia montarias de apoio, mas como o gado andava muito lentamente e era necessário cuidar do rebanho enquanto ele se alimentava ou parava para beber água, na maior parte do tempo os trabalhadores realizavam as tarefas desmontados.

Nenhum deles possuía vínculo empregatício. Estavam submetidos à jornada exaustiva de até 11 horas diárias (de 7 da manhã até 18 horas, com apenas 1 hora de pausa), com revezamento durante a noite para a vigilância do gado, e expostos a ambientes degradantes de trabalho, sem lugares apropriados para descanso, asseio ou alimentação. Também não utilizavam qualquer instrumento de proteção individual ou recebiam água potável para consumo. Em uma das comitivas, foi encontrado um trabalhador menor de 18 anos.

De acordo com o procurador do Ministério Público do Trabalho, Allan de Miranda Bruno, que participou da operação do Grupo Móvel, “a situação dos trabalhadores resgatados era precária, degradante e indigna, eles acampavam em currais e dormiam ao lado da boiada, com cheiro insuportável de dejetos dos animais”.

Conforme apurado, a contratação dos comissários era feita por meio do chamado “Instrumento particular de contrato de transporte de boiada”, segundo o qual a remuneração dos trabalhadores seria feita por dia e o valor baseado nos quilômetros percorridos. O instrumento previa, ainda, multa de perdas de bois acima de 2% da boiada, a ser suportada pelos comissários no valor de R$1.800 por boi perdido.

Cada comissário recebia de R$ 800 a R$ 1.100 por dia, dependendo da distância percorrida. Com essas remunerações, eles deveriam formar e custear suas comitivas/equipe de trabalhadores, os quais recebiam “diárias” em torno de R$ 45 a R$ 60, além de alimentação e adiantamentos que viessem a ser necessários durante a viagem.

Para o MPT, os proprietários das fazendas citadas e donos do gado estariam transferindo todos os riscos da atividade aos comissários. “Os pecuaristas resistem em reconhecer o vínculo de emprego de trabalhadores inseridos claramente na dinâmica produtiva da atividade econômica desenvolvida”, diz Allan Bruno. Além da contratação irregular, os trabalhadores encontrados estavam expostos a risco de morte, uma vez que a condução dos bois acontece, em boa parte do trajeto, em rodovias de grande circulação, com ocupação total das vias.

O MPT PA/AP ingressou na Justiça do Trabalho com Ação Civil Pública, pedindo: a nulidade dos contratos firmados com os comissários, alegando a configuração de fraude trabalhista; o reconhecimento de vínculo empregatício dos trabalhadores com as fazendas; a rescisão indireta dos contratos; o pagamento das verbas sonegadas durante o período trabalhado e de indenizações por dano moral coletivo e individual no valor total de R$6.968.835,52.

Fazenda Sinhá Moça

Os réus já eram conhecedores das condições mínimas de dignidade humana relativas aos trabalhadores inseridos em suas atividades produtivas. Em 2012, os proprietários das fazendas foram autuados por não oferecerem condições de trabalho digno aos seus empregados em outra de suas propriedades, a Fazenda Sinhá Moça. Na ocasião, foi firmado Termo de Ajuste de Conduta – TAC, proposto pelo MPT, que resultou na adequação dos locais de trabalho.

ACP 0000744-03.2018.5.08.0103

Ministério Público do Trabalho
Assessoria de Comunicação

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